Paisagem sobre o silêncio coalhado

(texto originalmente escrito para apresentação do livro Paisagem sobre corpo em silêncio, do poeta e crítico Alexandre Moraes,  publicado no livro Paisagem sobre corpo em silêncio (Flor&Cultura, 2008)


Paisagem sobre corpo em silêncio se estende sobre a “fina superfície” que une – e nunca separa – a dor da suavidade; o prazer do sabor de vidro e corte. A poesia elege a cidade como lugar de ausências e revela vozes que não ouvem vozes, rostos que não tocam rostos: “Apenas não vejo, abraço, não toco tuas mãos pequenas, não pronuncio as tuas palavras, nada de teus cigarros, nenhum beijo cobre teu rosto, tuas lágrimas. Não nos vemos, não e não e não...”.

Na poesia de Alexandre Moraes, a urgência aprisiona o movimento sobre a paisagem de um “silêncio coalhado” e os personagens, “deslizando no extremo dos dias, repetindo as coisas, tentando respirar o instante”, se reconhecem estranhos e estrangeiros. A escrita ríspida, ácida, desnuda a dor do abandono, do medo, dos pulsos atados, do afeto que se desmancha (ou “do amor que não fica além da hora contada”), do que seca “dentro dentro dentro”.

Paisagem sobre corpo em silêncio é um exímio trabalho de artesão, uma construção minuciosa em que todo signo suscita demasiada incerteza, pois toca, apenas, o intenso. A estrutura, ora em poema ora em prosa, privilegia a diversidade rítmica e traduz a versatilidade de um poeta que não se esgota em homenagens e diálogos – sempre densos e laudatórios, nunca panfletários. Em Paisagem, Alexandre Moraes toma para si diversos discursos, assume diferentes vozes e tece a paisagem que não se vislumbra, o lugar em que a ausência encontra a palavra e, como nos “poços dos poços sem fim” – para lembrar Caio F. -, deve-se penetrar.

Sobre a intensidade do movimento



(texto originalmente escrito para apresentação do livro A densidade do céu sobre a demolição (Confraria do Vento, 2009), de Casé Lontra Marques, e publicado em adensidadedoceusobreademolicao.blogspot.com)

Procurar na perseguição da metáfora uma chave comum de decodificação é, nessa poesia, declinar em consumo – “O poema ensina a cair \ sobre os vários solos”, nos diz Luiza Neto Jorge. É a própria escrita poética, também em Casé Lontra Marques, que propõe o movimento: ora se aproximando da atenção ora do sarcasmo é como aceitamos intensificar uma desorientação (ou uma “reorientação dos atos de distração”), o passo que rompe o silêncio e conduz ao desconforto (uma possibilidade de alargamento da intensidade).

A densidade do céu sobre a demolição é uma contundente proposição de fala, o poeta persegue “tanto ritmos quanto cores” e compõe, em movimento de procura (por sintaxes, repetições, ressignificações), uma ácida e sofisticada crítica política da subjetividade: a poesia, “área de sobrevivência”, sem recusar a urgência do corpo depositado sobre o asfalto, propõe uma extensão da experiência, a possibilidade de “conhecer com mais braços para criar”; e o leitor é com-vocado (convidado a tomar a palavra e romper a fala ausente).


Apesar de tanto essa convocação quando a busca pela linguagem serem, desde Mares inacabados, horizontes específicos e produtivos da escrita do poeta, em A densidade do céu sobre a demolição, os horizontes são potencializados e a escrita encontra seu momento de maior sofisticação – e até a definição de uma poética é, aqui, enfaticamente, intensificado. Casé Lontra Marques transita pela história da literatura, pelos tipos de discursos, pelos recursos poéticos e narrativos com maestria, o poeta compõe o movimento que não se pode recusar.